sábado, 17 de outubro de 2009

Amargos morangos

Não sabia o que escolher. Pão italiano ou pão francês? Tantas coisas na padaria. Por que fazem padarias tão grande hoje em dia?Falou baixo para si mesmo. Não tinha pressa. A idade guardava certos privilégios como passar antes na fila. Baguete. Isso, seria Baguete. Quando estava saindo com a baguete na mão uma criança passou correndo e bateu em seu braço. Pão ao chão. Criança ao chão. Pai, logo depois: Filha, cuidado, padaria não é lugar de correr. Disse o pai erguendo a menina do chão. Senhor, me desculpe. Arrematou. Imagina, crianças são crianças. Acho melhor pegar outro pão para o senhor. Não se encomode.Voltou para o balcão e, encorajado por ter feito o caminho de volta, achou coragem para mudar de ideia: Uma torta de morangos. Não, inteira, não, moça. Metade. Não se chega nessa idade comendo assim. Sorriu com o canto da boca. A outra metade pode embalar para mim! Era o pai da menina novamente. Torta vai bem com esse frio do sul, não é mesmo? Ô se vai. Moça? Moça? Pode me dar outra igual? Sim. Inteira. Vou levar para o pessoal da corretora. Disse se virando para o agora conhecido desconhecido. O senhor trabalha com imóveis? Não. Na bolsa de valores. É mesmo? Trabalhei mais de trinta anos. Que bom, um veterano de profissão. Por favor, passe visitar meu escritório quando puder. Claro, por que não? Agora na aposentadoria tenho tempo pra tudo. Por favor, pegue o meu cartão. Seus olhos correram pelo cartão de visita: Euderico Rosser. O sobrenome ecou em seu inconsciente, tal como pedra em lago tranquilo, as ondas reverberavam em seus lábios: Rosser... Rosser... Rosser... Você é parente de Leco e Nina Rosser de Caxias? Sou! O pai da menina ficou surpreso. São meus pais! Desculpe-me, mas como se chama? O tempo parou. Lembrou dos cabelos da ex-noiva voando ao vento sobre o brilho do sol. Da família da ex-noiva. Das tortas de morango que a ex-sogra preparava há mais de quarenta anos. Estaria viva ainda? Lembrou do escândalo. Do golpe do banco. Dos nomes nos jornais. Da fuga de Caxias. Seria ele o irmão mais novo? Poderia ser. Não deve lembrar de mim, era novo demais. Lembrou mais da noiva. Do seu sorriso. E seu coração se alegrava de uma alegria triste e doída, saudoso de um tempo que a vida lhe privou. Que ele mesmo se privou. Que seus erros o privaram. Pensou em como a ex-noiva deveria ter se sentido quando fugiu para o nordeste no meio da madrugada. Nunca mais teve notícias. Lembrou das tardes sob o parreral na casa do ex-sogro e de um menino sentado em seu colo com os mesmos olhos deste senhor que agora lhe falava. Desculpe, como é o nome do senhor? insistiu o pai da menina. Hã... ah, meu nome é Mateus. Senhor Mateus, o Senhor conheceu meus pais? Não. Só de passagem. Não devem mais lembrar de mim. Pois eu acho que sim. Apesar da idade teem a memória muito boa. Deixe estar. Já faz muito tempo. Está certo. Bem, um bom domingo para o Senhor, Senhor Mateus. Bom domingo para você, Euderico e para você também, pequena.
Naquela manhã foi para casa e comeu uma torta de morango sem gosto, enquanto olhava a parede mofada da cozinha. Sozinho. Mastigava com força os morangos, na esperança de triturar junto com as frutas, lembranças desagradáveis e dolorosas que pensava já ter digerido há muito.

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