segunda-feira, 25 de maio de 2009

Não adianta!

“Pare de jogar na mega sena, você não vai ganhar nunca! “ - disse a cartomante. Ora, como não, ele pensou, como não? Nunca teve dúvida disso, é seu destino manifesto. Sempre jogou, desde os 14 anos. Agora com 44 ainda não tinha ganhado, mas sabia, no fundo da alma, que iria ganhar um dia. Claro que iria. Como não, logo ele, o cara mais sortudo da família. O único que ganhou o sorteio do frango na quitanda, o único a pegar palito de picolé sorteado, o único a pegar raspadinha daquelas que raspa e ganha outra. Como assim não vou ganhar nunca? - A palavra nunca é que o deixou arrepiado. Não ganhar é normal. Não ganhou os últimos jogos. Nenhum jogo. Quando escutou a sentença “você não vai ganhar” foi algo corriqueiro. Primeiro a palavra “você” depois a palavra “não” e depois o resto, mas quando a sentença se concluiu com “nunca” a coisa ficou preta. A princípio não quis acreditar, mas seu cérebro confirmou o que ouviu : “Como assim nunca?”. Há meses tinha comprado de um turco no Paraguai um software de computador que calculava probabilidades dos jogos da mega-sena. Bastava inserir os últimos jogos e essa maravilha da modernidade dava os melhores jogos possíveis para o futuro. Realmente uma maravilha. O sistema se baseava no cruzamento de matrizes e o cálculo do não-sei-o-que-lá que ele até tentou prestar atenção, mas esqueceu um dia depois. Olhando os resultados do computador ele podia dizer: “minhas chances de não ganhar são de 37,2%”, mas "nunca", nunca era uma palavra muito forte. “É sim dotô. Tô vendo aqui a carta da Torre. Num vai dá. O destino vai te apartá dessas jogatina toda. Pode pará desde já. O dotô não vai ganhá nunca!”. Saiu da casa e entrou no carro contrariado. “Afinal, esse negócio aí nem funciona. É tudo crendice”. Esquecera que até então tinha plena convicção de que aquilo funcionaria, que talvez a cartomante lhe daria números mágicos, ou diria onde consegui-los.
Voltou para o trabalho. Saiu do trabalho. Passou na padaria. Chegou em casa. Jantou com a mulher. Assistiu televisão. Tomou banho. Se deitou. Não conseguia dormir. “Mas e se fosse verdade? E se fosse verdade..." ficava se indagando. Logo aquela mulher, uma expert em ver o futuro lhe dizendo que não ia ganhar nunca na mega. Sempre teve pra si que sua hora chegaria. Era uma questão de tempo e nada de esforço. “Mas e se não for verdade, mas e se for, mas se isso não funciona, ou se funciona mesmo, mas e se..." perdeu a madrugada pensando. Trinta anos de jogatina não podiam não corroborar a cartomante: ela estava certa! E não apenas nisso. Ele sempre creu no seu destino de brio, de pompa. Esse destino ainda não tinha se concretizado através do dinheiro da mega-sena por puro capricho do acaso, mas sabia que era apenas uma situação passageira: no final seria milionário. Teria mulheres lindas aos seus pés. Uma vida de opulência. Viu que no âmago do seu ser acreditava mesmo nisso. Mas se a cartomante estava certa sobre isso, no que mais ela poderia estar certa? Seu mundo caiu.
Na manhã seguinte logo cedo a mulher o encontrou sentado à mesa. Tinha o cinzeiro cheio de xepas de cigarros. “Querido, o que foi? Você está bem?”.Silêncio. Ele dá uma tragada.”Quero o divórcio!”.”O quê, você bebeu? Ah, já sei, é outra não é? Eu sabia!”.”Não é nada disso! Minha vida é uma farsa! Eu casei com você por que sabia que um dia as coisas iriam melhorar e eu ia trocar você por uma gostosinha de 25, aceitei esse emprego por que sabia que não ia precisar mais trabalhar quando ficasse rico e não dou bola pra essa bicha dos nosso filho por que tinha planejado mandar ele pra um internato na Inglaterra pra ele ficar bem longe de mim!”. “Como assim Josias, Inglaterra, me trocar, quando você ficasse rico? Como assim Josias, como assim?".”Eu não vou mais ficar! Não vou mais ficar! Entendeu? Chega! Eu não vou mais ficar! É tudo uma merda!”.
Naquele dia pegou as coisas e foi embora para o litoral. Nem passou no trabalho para pedir demissão, nem se despediu do filho. Um ano depois tinha virado mendigo. Andava pela rua gritando à tudo: “Não adianta! Não adianta!”. A mulher casou com um ex. O filho e o namorado passaram em concursos públicos e foram morar em Brasília. A cartomante foi assassinada por um candidato à vereador, cuja eleição ela tinha assegurado que ganharia com a ajuda dos orixás e com 15 mil reais. O turco do Paraguai vem ganhando dinheiro vendendo CD pirata. O software que calcula probabilidades deu uma seqüência premiada no dia em que Josias foi à cartomante. Eu nunca jogo na mega.

Um comentário:

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