sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Nenhuma vez mais

Uma vez mais. Uma vez mais. Seria tudo a mesma coisa, se não fosse pela pedra no caminho. Desistiu, então, de qualquer coisa que não fosse aquilo que não lhe desse prazer. Não qualquer prazer da carne, entretanto. Prazer da alma. Nada de veleidades. Somente aquilo por que sua alma ansiava.
Levantou-se da cadeira. Tirou a gravata e jogou-a no chão. Fechou a caixa de e-mails, desligou o computador e saiu porta à fora. Olhou para as pilhas de contas atrasadas que estavam em sua pasta. Tinha as separado para pagá-las assim que sua conta bancária saísse do vermelho. Pegou-as. Rasgou-as. Colocou-as no lixo. Pensou: não sou uma pilha de conta vencidas. Não sou uma conta bancária falida. Não sou um CPF na lista dos devedores. Sou um ser humano. Sou uma pilha de sonhos. Um instante único no universo, que se estende entre meu nascimento e minha morte, e que o Criador reservou unicamente para mim. Adeus. Até o ano que vem. Disse para a recepcionista do escritório antes de ir embora. Adeus. Até. Ela respondeu sorrindo. Não sabia que ele estava falando sério.
Tinha visto uma vez um documentário sobre os afluentes do rio São Francisco em que, durante a gravação, a equipe de filmagem tinha se deparado com um sueco que morava em uma balsa flutuante. Comendo o que o rio provia de peixes. Bebendo o que o rio provia de água. Dormindo em sua balsa com telhado que havia sido construída com as árvores que o rio alimentava em suas margens. Decidiu que seria como aquele sueco.
Foi para casa. Jogou o celular dentro do vaso sanitário. Escreveu cartas para a família e os amigos dizendo o quanto os amava e que se quisessem contatá-lo, bastaria que o procurassem em algum afluentes do Velho rio Chico.
Naquela semana, comprou uma mochila, um machado, um facão. Tudo que lhe serviria para construir uma balsa. Arrependeu-se por não ter servido ao exército, talvez teria aprendido alguma coisa sobre viver na natureza. Tinha gastado sua vida aprendendo a viver em outro tipo de selva, onde aborígenes selvagens o atacavam com grandes objetos de metal que rolam sobre circulos de borracha e um deus todo poderoso tentava controlar mentalmente à todos, os convencendo, através de desenhos vivos que se mostravam em uma caixa mágica, que deveriam ter tocas bonitas, mais bonitas do que a dos outros e também grandes objetos de metal bonitos, mais bonitos do que os dos outros, senão eles não seriam ninguém. Ele gastara anos vivendo nesta selva.
No final daquela semana tinha juntado todo dinheiro que podia. Comprou uma passagem para Minas Gerais. Foi de taxi até uma colônia de pescadores a beira do rio. Disse que era um pesquisador e que queria ajuda para construir uma balsa onde pudesse passar vários dias morando sobre ela. Um velho pescador, que dizia ter ajudado um homem que veio da europa a fazer a mesma coisa, o ajudou a fazê-la.
Balsa pronta. O velho rebocou-a até uma enseada tranquila sem muita correnteza e o deixou lá. No primeiro dia pescou. Comeu peixe moqueado e ao deitar em sua rede, pendurada nos únicos dois pilares da balsa, sorriu enquanto relaxava.
Nenhuma vez mais. Todos os momentos seriam dedicados à fazer aquilo que seu coração mandasse. Em perfeita sintonia com o universo agradeceu a chuva que começava a cair sobre a balsa.

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