terça-feira, 23 de junho de 2009

Latinhas

Por de trás da vidraça fez um sorriso. Pena. Ninguém olhou. Ninguém viu os dentinhos pérolamente brancos e alinhados no rostinho cheio de sujeira. Ninguém viu além dos trapos sujos. Se alguém o fizesse, visse além da mendicância da menina, teria visto aquele sorrisinho tão lindo e tão puro. Mas quase ninguém olha assim.
A menininha, enquanto catava latas na lixeira, tinha olhado para dentro do banco. E achou tão bonita aquela movimentação, aquelas pessoas fazendo coisas tão estranhas e mexendo em coisas tão diferentes das que conhece. Tão diferente das latinhas. Tão diferente do carrinho de lixo em que passou sua vidinha a ser carregada pela mãe através da cidade.
Foi um sorrisinho simples e puro, que se Deus fosse explicado num gesto, provavelmente seria aquele sorriso.
Do lado de dentro o que se via era mais um trapo, dentre tantos trapos que nos assolam a vista. Trapos e mais trapos. Não pessoas. Ninguém vê pessoas. Apenas trapos. Se alguém visse pessoas além dos trapos também veria sorrisinhos, mas ninguém vê sorrisinhos.
Continuou lá sorrindo, abstraída em seu mundo interior, sorrindo, por que não sabe nada sobre latas, carrinhos ou pobreza.
Na lata de lixo a mãe da menina parou e olhou para a criança. Fez uma pausa. Entre o lixo e a janela via sua filha olhando através do vidro. Deu um passo. Parou. Olhou para a filha. Olhou para a janela. Viu a pequena a olhar para dentro do banco e com uma sensibilidade que só as mães tem, reparou o brilho do sorriso e a pobreza que o sobrepunha. Olhou para as latinhas. Quantas latinhas. Latas sujas e amassadas, como sua vida: suja e descartada.

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